terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Estado Brasileiro anistia Carlos Marighella no seu centenário

5 de Dezembro de 2011 - 21h57

Antes tarde do que nunca. Depois de 42 anos o Estado Brasileiro finalmente pediu desculpas aos familiares de Carlos Marighella pela sua execução no dia 4 de novembro de 1969 em uma emboscada em São Paulo. A anistia ao líder guerrilheiro foi aprovada por unanimidade durante a primeira sessão da 53º Caravana da Anistia realizada nesta segunda-feira (5/12), no teatro Villa Velha, em Salvador, cidade onde nasceu e começou sua militância política. A data também marca o centenário de Marighella.


Estado Brasileiro anistia Carlos Marighella no seu centenário
O teatro ficou lotado de lideranças sociais e políticas, familiares, amigos de luta e muitos admiradores da trajetória de Carlos Marighella, um baiano que morreu em defesa do direito à liberdade de todo o povo brasileiro. O governador da Bahia, Jaques Wagner; o ex-governador Waldir Pires; o presidente do PCdoB na Bahia, Daniel Almeida; senadores, deputados e vereadores estavam entre as autoridades presentes ao evento.

A relatoria do pedido de anistia coube a Ana Guedes, militante do PCdoB na Bahia, que após ler o relato sobre a trajetória de Marighella desde o início da sua militância política em Salvador, passando pelas prisões até a sua morte votou pela anistia de Marighella. Segundo Ana, Marighella é um ícone, um herói do povo brasileiro. Foi um homem totalmente voltado para a defesa do povo brasileiro e por isso foi muito perseguido, preso, torturado e assassinado. “O maior significado deste ato está em reafirmar o nosso desejo de que a anistia vingue. A anistia é uma conquista do povo brasileiro, pois no momento que o Estado pede desculpas à família, isso vai ficar gravado na memória do povo brasileiro, que isso que aconteceu com Marighella e com tantos outros brasileiros não pode mais acontecer”, disse.


Unanimidade

O momento mais aguardado veio já no início da noite após muitos depoimentos emocionados sobre o homenageado e votação unânime da Comissão pela aceitação do parecer de Ana Guedes. “Pelos poderes a nós conferidos pelo Ministério da Justiça, a Comissão da Anistia declara anistiado pós-mortem Carlos Marighella. Com isso, Clara Charf e Carlos Augusto Marighella, pedimos as mais sinceras desculpas por tudo que o Estado Brasileiro fez contra seu companheiro e seu pai”, declarou o vice-presidente da Comissão da Anistia, Egmar Oliveira, para delírio da platéia.

“É muito importante que meus filhos estejam aqui para acompanhar este momento, que é o reconhecimento da trajetória de um grande homem. Há 42 anos, em um dia chuvoso, fui chamado a um jornal para reconhecer a foto de Marighella morto. Foi muito traumatizante, pois a foto era seguida de muitas mentiras sobre ele. Mentiras que foram sendo desmascaradas com o passar do tempo. Tudo porque Marighella sempre foi um herói e surge como inspiração para os jovens brasileiros. Eu estou muito feliz, porque são 40 anos lutando para que esta verdade seja reconhecida e este dia chegou”, afirmou o único filho do guerrilheiro, Carlos Augusto Marighella.

A felicidade também estava estampada no rosto de Clara Charf, viúva de Marighella e uma das pessoas que mais lutaram para que o Estado reconhecesse seu erro e a verdade sobre o companheiro fosse restabelecida. “Esta Comissão é resultado do processo de democratização, que permitiu que chegasse a este momento, em que o povo brasileiro pudesse saber a verdade sobre o que aconteceu. Porque durante muito tempo eles mentiram e tentaram desmoralizar a vida das pessoas. Porque eles queriam esconder a resistência do povo brasileiro, que é o povo mais resistente do mundo”, ressaltou Clara, acrescentando que o ato não é apenas importante para a família de Marighella, mas para todo os brasileiros.

De Salvador,
Eliane Costa.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Os super-ricos do mundo

Os multimilionários prosperam e as desigualdades aprofundam-se quando as economias "recuperam"

por James Petras

As operações de salvamento de bancos, especuladores e industriais cumpriram o seu verdadeiro objectivo: os milionários passaram a multimilionários e estes ficaram ainda mais ricos. Segundo o relatório anual da revista de negócios Forbes, há 1210 indivíduos – e em muitos casos clãs familiares – com um valor líquido de mil milhões de dólares (ou mais). O seu valor líquido total é de 4,5 milhões de milhões de dólares, maior do que o valor total de 4 mil milhões de pessoas em todo o mundo. A actual concentração de riqueza ultrapassa qualquer período anterior da história; desde o Rei Midas, os Marajás, e os Barões Ladrões [1] até aos magnates de Silicon Valley [2] e Wall Street na actual década.

Uma análise da origem da riqueza dos super-ricos, a sua distribuição na economia mundial e os métodos de acumulação esclarece diversas diferenças importantes com profundas consequências políticas. Vamos identificar essas características especiais dos super-ricos, a começar pelos Estados Unidos e faremos depois uma análise ao resto do mundo.

Os super-ricos nos Estados Unidos: os maiores parasitas vivos

Os EUA têm a maior parte dos multimilionários do mundo (413), mais de um terço do total, a maior proporção entre os grandes países do mundo. Um olhar mais de perto também revela que, entre os 200 multimilionários do topo (os que têm 5,2 mil milhões de dólares ou mais), 57 são dos EUA (29%). Mais de um terço fez fortuna através da actividade especulativa, da predação da economia produtiva e da exploração do mercado imobiliário e de acções. Esta é a percentagem mais alta de qualquer dos principais países na Europa ou na Ásia (com a excepção da Inglaterra). A enorme concentração de riqueza nas mãos desta pequena classe dirigente parasita é uma das razões por que os EUA têm as piores desigualdades de qualquer economia avançada e se situa entre as piores em todo o mundo. Os especuladores não empregam trabalhadores, servem-se de expedientes fiscais e de operações de salvamento e depois pressionam cortes no orçamento social, dado que não precisam de uma força de trabalho saudável e instruída (excepto no que se refere a uma pequena elite). Em 1976, 1% da população mundial detinha 20% da riqueza; em 2007 dominava 35% da riqueza total. Oitenta por cento dos americanos possuem apenas 15% da riqueza. As recentes crises económicas, que inicialmente reduziram a riqueza total do país, fizeram-no de modo desigual – atingindo de modo mais grave a maioria dos operários e empregados. A operação de salvamento Bush-Obama levou à recuperação económica, não da "economia em geral", mas restringiu-se a reforçar ainda mais a riqueza dos multimilionários – o que explica porque é que a taxa de desemprego e subemprego ficou praticamente na mesma, porque é que a dívida fiscal e o défice comercial aumentam e o estado baixa os impostos às grandes empresas e reduz os orçamentos municipais, estatais e federais. O sector "dinâmico" formado por capitalistas parasitas emprega menos trabalhadores, não exporta produtos, paga impostos mais baixos e impõem maiores cortes nas despesas sociais para os trabalhadores produtivos. No caso dos multimilionários dos EUA, a sua riqueza é fortemente acrescida através da pilhagem do erário público e da economia produtiva e através da especulação no sector das tecnologias de informação que alberga um quinto dos multimilionários do topo.

BRIC: Os novos multimilionários: A explorar o trabalho da natureza

Os principais países capitalistas emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC), elogiados pelos meios de comunicação pelo seu rápido crescimento na última década, estão a produzir multimilionários a um ritmo mais rápido do que qualquer bloco de países do mundo. Segundo os últimos dados no Forbes (Março de 2011), o número de multimilionários no BRIC aumentou mais de 56% de 193 em 2010 para 301 em 2011, ultrapassando os da Europa.

O forte crescimento do BRIC levou à concentração e centralização de capital, em todos os casos promovidos pelas políticas de estado que proporcionam empréstimos a juros baixos, subsídios, incentivos fiscais, exploração ilimitada de recursos naturais e mão-de-obra, expropriação dos pequenos proprietários e privatização de empresas públicas.

O crescimento dinâmico de multimilionários no BRIC levou às desigualdades mais flagrantes em todo o mundo. Nos países do BRIC, a China lidera o caminho com o maior número de multimilionários (115) e as piores desigualdades em toda a Ásia, em profundo contraste com o seu passado comunista quando era o país mais igualitário do mundo. Um exame da origem da riqueza dos super ricos na China revela que provém da exploração da força de trabalho no sector da manufactura, da especulação no imobiliário e da construção e comércio. EM 2011, A China ultrapassou os EUA enquanto maior fabricante do mundo, em consequência da super-exploração da mão-de-obra na China e do crescimento de capital financeiro parasitário nos EUA.

Em contraste com os EUA, a classe trabalhadora da China está a fazer incursões significativas nas receitas da sua elite de manufacturas e de imobiliário. Em consequência da luta da classe trabalhadora, os salários têm vindo a aumentar entre 10% a 20% nos últimos 5 anos; os protestos dos agricultores e das famílias urbanas contra as expropriações feitas pelos especuladores imobiliários e sancionadas pelo estado ultrapassaram os 100 mil por ano.

A riqueza dos multimilionários russos, por outro lado, resultou do violento roubo dos recursos públicos (petróleo, gás, alumínio, ferro, aço, etc.), explorados pelo anterior regime. A grande maioria dos multimilionários russos depende da exportação de bens, da pilhagem e da devastação do ambiente natural sob um regime corrupto e sem regulamentação. O contraste entre as condições de vida e de trabalho entre os multimilionários virados para o ocidente e a classe trabalhadora russa é sobretudo o resultado do escoamento da riqueza para contas ultramarinas, investimentos offshore e luxos pessoais extraordinários, incluindo propriedades de muitos milhões de dólares. Em contraste com a elite industrial da China, os multimilionários da Rússia parecem-se com os 'senhorios' parasitas que se encontram entre os especuladores de Wall Street e os xeiques do Golfo Pérsico.

Os multimilionários da Índia são uma mistura de ricos antigos e novos ricos que amontoam a sua riqueza através da exploração dos trabalhadores industriais de salários baixos, das populações de bairros pobres expropriados e dos povos tribais, assim como da posse diversificada de imobiliário, tecnologia informática e software. Os multimilionários da Índia acumularam a sua riqueza através das suas ligações familiares com os escalões mais altos, muito corruptos, da classe política, assegurando monopólios através de contratos com o estado. O forte crescimento da Índia na última década (7% em média) e a explosão de multimilionários de 55 para 2011, estão ambos ligados às políticas neo-liberais de desregulamentação, privatização e globalização, que concentraram a riqueza no topo, corroeram os produtores em pequena escala e espoliaram dezenas de milhões.

A classe multimilionária do Brasil aumentou rapidamente, em particular sob a direcção do Partido dos Trabalhadores, para 29, acima do número de um só dígito uma década antes. Hoje, mais de dois terços dos multimilionários da América Latina são brasileiros. A peça central da riqueza dos super ricos do Brasil é o sector finanças-banca que beneficiou fortemente das políticas monetária, fiscal e neo-liberal do regime de Lula da Silva. Os banqueiros multimilionários têm sido os principais beneficiários da economia de exportação agro-mineral que floresceu na última década, à custa do sector de manufacturas. Apesar das afirmações dos líderes do Partido dos Trabalhadores, as desigualdades de classe entre a massa dos trabalhadores de salário mínimo (380 dólares por mês em Março de 2011) e os super-ricos continuam a ser as piores da América Latina. Uma análise da origem da riqueza entre os multimilionários brasileiros revela que 60% aumentaram a sua riqueza no sector finanças, imobiliário e seguros (FIRE) e só um deles (3%) no sector de capital ou manufactura intermédia. A explosão do Brasil em crescimento económico e em multimilionários encaixa no perfil de uma 'economia colonial': com grande peso no consumo excessivo, na exportação de bens e presidido por um sector financeiro dominante que promove políticas neoliberais. No decurso da última década, apesar do teatro político populista e dos programas de pobreza paternalistas patrocinados pelo Partido dos Trabalhadores "centro-esquerda", o principal resultado sócio-económico foi o crescimento duma classe de multimilionários "super-ricos" concentrados na banca com poderosas ligações aos sectores do agro-mineral. A classe financeira-agro-mineral, de forte crescimento via mercado livre, degradou o sector de manufactura, principalmente os têxteis e os sapatos, assim como os produtores de bens de capital e intermédios.

Os países BRIC estão a produzir mais, e a crescer mais depressa do que as potências imperialistas estabelecidas na Europa e nos EUA, mas também estão a produzir desigualdades e concentrações monstruosas de riqueza. As consequências sócio-económicas já se manifestaram no aumento do conflito de classes, principalmente na China e na Índia, onde a exploração intensiva e a expropriação provocaram a acção das massas. A elite política chinesa parece estar mais consciente da ameaça política colocada pela concentração crescente da riqueza e encontra-se em vias de promover aumentos substanciais de salários e um maior consumo local que parece estar a reduzir as margens de lucro nalguns sectores da elite de manufacturas. Talvez que a 'memória histórica' da 'revolução cultural' e a herança maoista desempenhe o seu papel no alerta da elite política para os perigos políticos resultantes dos "excessos capitalistas" associados aos altos níveis de exploração e ao rápido crescimento duma classe de clãs politicamente relacionados, baseados em multimilionários.

Médio Oriente

Na última década, o país mais dinâmico no Médio Oriente foi a Turquia. Dirigido por um regime democrático liberal de inspiração islâmica, a Turquia tem liderado a região no crescimento do PIB e na produção de multimilionários. O desempenho económico turco tem sido apresentado pelo Banco Mundial e pelo FMI como um modelo para os regimes pós ditatoriais no mundo árabe – de 'alto crescimento', uma economia diversificada baseada na crescente concentração de riqueza. A Turquia tem mais 35% de multimilionários (37) do que os estados do Golfo e do Norte de África em conjunto (24). O 'segredo' do crescimento turco é as altas taxas de investimento em diversas indústrias e a exploração intensiva da força de trabalho. Muitos multimilionários turcos (14) obtêm a sua riqueza através de 'conglomerados', investimentos em diversos sectores de manufactura, finança e construção. Para além dos multimilionários de 'conglomerados', há 'multimilionários especialistas' que acumularam a sua riqueza a partir da banca, da construção e do processamento de alimentos. Uma das razões de a Turquia ter censurado e desafiado o poder de Israel no Médio Oriente é porque os seus capitalistas estão ansiosos por projectar investimentos e penetrar nos mercados do mundo árabe. Com excepção do sistema político americano, fortemente sionizado, as elites governantes e o público na Europa e na Ásia encararam favoravelmente a oposição da Turquia aos massacres israelenses em Gaza e à violação da lei internacional em águas marítimas. Se um moderno regime islâmico liberal pode crescer rapidamente através da rápida expansão duma classe diversificada de super-ricos, o mesmo acontece com Israel, um moderno estado judaico-neoliberal baseado no rápido crescimento duma classe de multimilionários altamente diferenciada.

Israel, com 16 multimilionários é um país em que as desigualdades de classe crescem mais rapidamente na região – com o mais alto número de multimilionários per capita do mundo… Os "sectores de crescimento" de Israel, software, indústrias militares, finança, seguros e diamantes e investimentos ultramarinos em metais e minas, são liderados por multimilionários e multi-multimilionários que beneficiaram das dádivas financeiras induzidas pelos sionistas, provenientes da pilhagem de recursos feita pelos EUA nos países da ex-URSS e da transferência de fundos pelas oligarquias russas-israelenses e também de empreendimentos conjuntos com multimilionários judaico-americanos em empresas de software, principalmente no sector de "segurança".

A alta percentagem de multimilionários em Israel, numa época de profundos cortes nas despesas sociais, desmente a sua afirmação de ser uma 'social-democracia' no meio dos 'xeicados'. A propósito, Israel tem o dobro de multimilionários (16) da Arábia Saudita (8) e mais super-ricos do que todos os países do Golfo juntos (13). O facto de Israel ter mais multimilionários per capita do que qualquer outro país não impediu os seus apoiantes sionistas nos EUA de pressionarem por uma ajuda adicional de 20 mil milhões de dólares na década passada. Contrariamente ao passado, a actual concentração de riqueza de Israel tem menos a ver com o facto de ser o maior recebedor de ajuda estrangeira… as doações a Israel são uma questão política: o poder sionista sobre a bolsa do Congresso. Dada a riqueza total dos multimilionários de Israel, um imposto de cinco por cento seria mais que compensador de qualquer corte da ajuda externa dos EUA. Mas isso não vai acontecer apenas porque o poder sionista na América impõe que os contribuintes americanos subsidiem os plutocratas de Israel, pagando-lhes o seu armamento ofensivo.

Conclusão

As "crises económicas" de 2008-2009 infligiram apenas perdas temporárias a alguns multimilionários (EUA-UE) e a outros não (asiáticos). Graças às operações de salvamento de milhões de milhões de dólares/euros/ienes, a classe multimilionária recuperou e alargou-se, apesar de os salários nos EUA e na Europa terem estagnado e os 'padrões de vida' terem sido atingidos por cortes maciços na saúde, na educação, no emprego e nos serviços públicos.

O que é chocante quanto à recuperação, crescimento e expansão dos multimilionários mundiais é como a sua acumulação de riqueza depende e está baseada na pilhagem de recursos do estado; como a maior parte das suas fortunas se basearam nas políticas neoliberais que levaram à apropriação a preços de saldos de empresas públicas privatizadas; como a desregulamentação estatal permite a pilhagem do ambiente para a extracção de recursos com a mais alta taxa de retorno; como o estado promoveu a expansão da actividade especulativa no imobiliário, na finança e nos fundos de pensões, enquanto encorajava o crescimento de monopólios, oligopólios e conglomerados que captaram "super lucros" – taxas acima do "nível histórico". Os multimilionários no BRIC e nos antigos centros imperialistas (Europa, EUA e Japão) foram os principais beneficiários das reduções fiscais e da eliminação de programas sociais e de direitos laborais.

O que é perfeitamente claro é que é o estado, e não o mercado, quem desempenha um papel essencial em facilitar a maior concentração e centralização de riqueza na história mundial, quer facilitando a pilhagem do erário publico e do ambiente, quer aumentando a exploração da força de trabalho, directa e indirectamente.

As variantes nos caminhos para o estatuto de 'multimilionário' são chocantes: nos EUA e no Reino Unido, predomina o sector parasita-especulativo sobre o produtivo; entre o BRIC – com excepção da Rússia – predominam diversos sectores que incorporam multimilionários da manufactura, do software, da finança e do sector agro-mineral. Na China, o abissal fosso económico entre os multimilionários e a classe trabalhadora, entre os especuladores imobiliários e as famílias expropriadas levou ao aumento do conflito de classes e a desafios, forçando a aumentos significativos de salários (mais de 20% nos últimos três anos) e à exigência de maiores gastos públicos na educação, saúde e habitação. Nada de comparável está a acontecer nos EUA, na UE ou noutros países do BRIC.

As origens da riqueza dos multimilionários são, quando muito, devidas apenas em parte a 'inovações empresariais'. A sua riqueza pode ter começado, numa fase inicial, a partir da produção de bens ou serviços úteis; mas, à medida que as economias capitalistas 'amadurecem' e se viram para a finança, para os mercados ultramarinos e para a procura de lucros mais altos, impondo políticas neoliberais, o perfil económico da classe multimilionários muda para o modelo parasita dos centros imperialistas instituídos.

Os multimilionários nos BRIC, a Turquia e Israel contrastam fortemente com os multimilionários do petróleo do Médio Oriente que são rentistas que vivem das 'rendas' da exploração do petróleo, do gás e dos investimentos ultramarinos, em especial do sector FIRE. Entre os países BRIC, só a oligarquia multimilionária russa se parece com os rentistas do Golfo. O resto, em especial os multimilionários chineses, indianos, brasileiros e turcos, tiraram partido das políticas industriais promovidas pelo estado para concentrar a riqueza sob a retórica de 'paladinos nacionais', que promovem os seus próprios 'interesses' em nome duma 'economia emergente de sucesso'. Mas mantêm-se as questões básicas de classe: "crescimento para quem? e a quem é que beneficia?" Até agora, o registo histórico mostra que o crescimento de multimilionários tem-se baseado numa economia altamente polarizada em que o estado serve a nova classe de multimilionários, sejam especuladores parasitas como nos EUA, rentistas saqueadores do estado e do ambiente, como na Rússia e nos estados do Golfo, ou exploradores da força de trabalho como nos países BRIC.

Post Scriptum

A revolta árabe pode ser vista em parte como uma tentativa de derrubar os 'clãs capitalistas de rentistas. A intervenção ocidental nas revoltas e o apoio das elites militares e políticas da "oposição" é um esforço para substituir uma classe governante capitalista 'neoliberal'. Essa "nova classe" será baseada na exploração da mão-de-obra e na expropriação dos actuais possuidores dos recursos clã-família-amigos. As principais empresas serão transferidas para multinacionais e capitalistas locais. Muito mais promissoras são as lutas internas dos trabalhadores na China e, em menor grau, no Brasil e no campesinato rural maoista e movimentos tribais na Índia, que se opõem à exploração e à expropriação de rentistas e capitalistas.

NT
[1] Barão ladrão – termo pejorativo usado para um poderoso homem de negócios e banqueiro americano do século XIX.
[2] Sillicon Valley – situa-se a Sul da área da baía de S. Francisco, na Califórnia. Esta região alberga muitas das maiores companhias de tecnologia electrónica do mundo.


O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=23907 .
Tradução de Margarida Ferreira.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

sábado, 5 de março de 2011

O impacto dos conflitos armados sobre a educação

Quarenta e dois por centro dos meninos e meninas que não estão na escola vivem em países pobres em situação de conflito armado, segundo a Unesco

04/03/2011

Maribel Hernández Periodismo Humano

Quarenta e dois por centro dos meninos e meninas que não estão na escola vivem em países pobres em situação de conflito armado, segundo o último informe da Unesco apresentado no dia 1º de março. Se os 21 países mais pobres diminuíssem cerca de 10% do seu gasto militar, poderiam garantir a educação de 9,5 milhões de crianças. Somente 2% da ajuda internacional humanitária está destinada a investimentos em educação.

Há pouco mais de uma década, em abril de 2000, representantes de 160 países se reuniram em Dacar (Senegal) no Fórum Mundial de Educação. Deste encontro surgiria o Marco de Ação para uma "Educação para Todos" e o compromisso de zelar pelo cumprimento de seis objetivos básicos em matéria de acesso à educação e infância, com uma data-chave no horizonte: 2015. A quatro anos de se esgotar esse prazo, a Unesco apresentou no dia 1º, em Nova York, seu informe que, neste ano, aborda de maneira explícita um dos contextos em que se mostra mais patente e, paradoxalmente, mais invisível o fracasso da comunidade internacional na hora de garantir esse direito humano básico: os conflitos armados.

Segundo o informe "Uma crise encoberta: conflitos armados e educação", atualmente 28 milhões de crianças estão privadas do seu direito a receber educação em consequencia dos conflitos armados, 42% do total de jovens em idade de frequentar a escola primária. "As guerras estão destruindo as possibilidades de receber educação em uma escala cuja magnitude não se reconhece suficientemente. Os fatos são eloquentes: mais de 40% das crianças do planeta que não vão à escola vivem em países afetados por conflitos. Nesses mesmos países se registram algumas das maiores desigualdades entre os sexos, e alguns dos níveis mais baixos de alfabetização de todo o mundo", sustenta a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova.

As consequencias dos conflitos armados para os mais jovens (é preciso recordar que 60% da população de grande parte dos países em situação de conflito têm menos de 25 anos de idade) os deixam expostos a outras situações de risco, como a violência sexual ou a possibilidade de se converterem em "alvos legítimos" para os combatentes. Além disso, segundo a Unesco, a probabilidade de que as crianças de países pobres em conflito faleçam antes de completar cinco anos é duas vezes maior do que no restante dos países pobres não afetados pelo conflito armado, ainda que esses últimos sejam minoria. Dos 35 países que entre 1999 e 2008 passaram por conflitos armados ou guerras, um total de 30 são países de baixa renda ou renda média baixa. Nesses, ressalta o informe, é cada vez mais comum que as escolas, educadores e estudantes se convertam em objeto de ataque, apesar disso se constituir em uma clara violação do direito internacional. No Afeganistão, os ataques contra centros escolares passaram de 347 em 2008 para 613 em 2009, ressalta o informe, que destaca também as ações armadas contra escolas para meninas no Paquistão, ou no norte do Iêmen, onde durante os combates entre forças do governo e grupos rebeldes em 2009 e 2010 destruíram cerca de 220 escolas.

Paralelamente, as violações e outros abusos sexuais se estendem como arma de guerra, não somente contra mulheres, mas também contra meninos e especialmente meninas. Na República Democrática do Congo (RDC), por exemplo, um terço das vítimas de violações foram menores de idade e, desses, cerca de 13% tinham menos de 10 anos, embora, como recorda a Unesco, é possível que esse número seja dez a vinte vezes maior. Os efeitos desse tipo de violência sobre a educação são devastadores, assegura a organização, "prejudica o potencial das vítimas para aprender, cria um clima de medo que faz com que as meninas fiquem em casa e leva à ruptura de muitas famílias, o que deixa meninas e meninos sem um entorno ambiente para sua educação".

Todos esses aspectos, aponta o diretor do informe, Kevin Watkins, mostram "o fracasso dos governos na hora de defender os direitos humanos" e a persistência de uma cultura de impunidade em torno da violência sexual em contextos de conflito armado. Para Watkins, "é hora da comunidade internacional pedir contas a quem perpetra crimes tão odiosos como as violações sistemáticas, e que respalde as resoluções das Nações Unidas como uma ação firme e decidida".

No entanto, a comunidade internacional anda ocupada com outras tarefas mais lucrativas. Sem dúvida, o gasto em armamentos militares consome os recursos que os países doadores poderiam destinar em apoio à educação das crianças das nações pobres. Somente com o que os países ricos dedicam a gastos militares durante seis dias, seria possível anular o déficit anual de financiamento do programa "Educação para Todos", avaliado em 16 milhões de dólares.

Tampouco o sistema internacional de ajuda humanitária parece levar muito em conta as necessidades educativas dos meninos e meninas em países afetados por conflitos armados. Segundo informações do informe, a educação só representa cerca de 2% do total de ajuda humanitária e satisfaz unicamente uma proporção muito reduzida das petições de apoio, apenas 38%, a metade da porcentagem média no restante dos setores receptores de ajuda.

Por outro lado, as prioridades em matéria de segurança dominam a agenda da ajuda humanitária dos países doadores. Isso faz com que a ajuda se destine a um número muito reduzido de Estados e, muitas vezes, os países mais pobres do mundo ficam fora da partilha. Por exemplo, enquanto a ajuda para a educação básica no Afeganistão quintuplicou nos últimos cinco anos, países como Chade ou República Centroafricana veem a ajuda que recebem aumentar muito lentamente ou estancar; no caso da Costa do Marfim, diminui.

Além disso, a Unesco recorda que nos países em situação de conflito armado há um claro desvio do gasto dos fundos públicos em armamentos que poderiam ser convertidos para educação. Assim, entre os países mais pobres do mundo, um total de 21 destina mais dinheiro ao orçamento militar do que à escola primária. Uma redução de seu gasto militar de aproximadamente 10% seria a possibilidade de escolarizar 9,5 milhões de crianças que hoje estão privadas desse direito.

Para o arcebispo e Prêmio Nobel da Paz em 1984, Desmond Tutu, que junto com outras personalidades como Shirin Ebadi, José Ramos-Horta e Rania de Jordânia, participou do informe da Unesco, é urgente tomar ações decisivas. "O que peço aos líderes mundiais é que exponham essa simples declaração de intenções: Basta já! [...] Faço um chamado aos dirigentes dos países ricos para que prestem uma ajuda mais eficaz às pessoas que estão em zonas afetadas por guerras". Tutu exige dos doadores uma vontade como daqueles que veem suas escolas destruídas e fazem o possível para seguir mantendo sua educação. "No entanto, pouca ajuda é proporcionada para a educação às populações dos países em conflito, e ocorre que muitas vezes não recebem o tipo de ajuda adequado [...] A ajuda ao desenvolvimento sofre da síndrome do 'demasiado pouco e demasiado tarde'. Um dos resultados disso é que estão perdendo oportunidades para reconstruir os sistemas de educação".

Embora a Unesco reconheça em seu informe alguns resultados positivos, como a queda da mortalidade em crianças menores de cinco anos (de 12,5 milhões em 1990 para 8,8 milhões em 2008), para a organização "o mundo não vai por um bom caminho", se quiser alcançar as metas fixadas para 2015. Entre alguns dos principais freios aos avanços está a fome, que afeta a um em cada três meninos em países em desenvolvimento (195 milhões no total) e que acarreta danos em seu desenvolvimento coletivo e prejudica suas perspectivas educativas em longo prazo; ou as desigualdades de gênero. "Se em 2008 se tivesse alcançado no mundo a paridade entre os sexos no ensino primário, hoje haveria 3,6 milhões de meninas matriculadas nas escolas", afirma o texto. Estas disparidades também têm a ver com o nível de educação das mães. "Se a taxa geral de mortalidade infantil na África subsaariana se situasse no nível médio de mortalidade infantil dos meninos nascidos de mães com estudos secundários, o número de meninos pequenos mortos nesta região diminuiria em 1,8 milhões", revela.

Por fim, a rainha Rania da Jordânia conclui em uma das páginas do informe: "enquanto houver crianças de países em conflito sem escolarização, não se poderão alcançar as metas para a Educação para Todos e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, ao mesmo tempo o radicalismo e a violência crescerão superando todas as previsões [...] A educação não só impede a eclosão dos conflitos, mas ajuda a reconstrução dos países em situação de conflito armado quando esses acabam. Há algo muito mais importante do que a inevitável reconstrução da administração e das infraestruturas: a reconstrução das mentes".

Tradução: Patrícia Benvenuti

Fotos: UNESCO/M. Hofer; UNESCO/T. Habjouq; UNESCO/Eman Mohammed

Extraído de: http://www.brasildefato.com.br/node/5827